sábado, 2 de novembro de 2013


Forte, teimosa e voluntariosa

Perseguida por sua independência inaceitável para as mulheres da época, Carlota Joaquina era capaz de gestos corajosos e generosos

Francisca Lúcia Nogueira de Azevedo
 
Carlota Joaquina
Nas notícias que enviavam à Espanha, os servidores da casa de Bragança traçaram um perfil que jamais descolaria de Carlota Joaquina: a princesa era irrequieta e inflexível. “Não havia de retroceder a um desejo”, escreveu sua nobre ajudante Maria Moscoso em 1794, “e se eu não fizesse o que queria, poderia com escândalo valer-se de outra pessoa”.
A geniosa menina sem dúvida fazia por merecer tais qualificativos. Mas o retrato era incompleto. A começar por sua sólida formação. Filha primogênita do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV, e da infanta Maria Luiza

Na gravura de Manuel Marques de Aguilar, Carlota já como rainha consorte. Apesar da busca incessante pelo poder, ela jamais alcançou o trono como soberana.
de Parma, Carlota Joaquina Teresa Caetana de Bourbon e Bourbonnasceu no dia 25 de abril de 1775. Durante alguns anos, houve certa expectativa de que se tornasse herdeira do trono, pois a mãe tivera vários abortos. Sendo assim, a infanta recebeu educação esmerada, a cargo do padre Felipe Scio de San Miguel, um intelectual ilustrado. Em 1785, cumprindo um acordo matrimonial assinado por seu avô Carlos III e pela rainha D. Maria I de Portugal, partiu para Lisboa. Aos 10 anos, tornava-se esposa do príncipe e futuro rei D. João.
Comprovando sua educação cortesã e dotes intelectuais, A Gazeta de Lisboa relata o sucesso dos exames que Carlota prestou na presença de diplomatas portugueses: “Tudo satisfez tão completamente, que não se pode expressar a admiração que deve causar uma instrução tão vasta em uma idade tão tenra”.

Mesmo sob educação rígida pautada na etiqueta cortesã, comum às meninas da nobreza, há vários depoimentos de pessoas que conviviam cotidianamente com ela e que afirmam de maneira unânime seu temperamento irredutível quando não queria cumprir ordens. Em carta a Maria Luiza (mãe de Carlota), a camareira da princesa, D. Ana, se queixa com frequência dos mui malos modos de D. Carlota, levando muitas vezes o padre Felipe ao desespero, “por estar durante as lições duas ou três horas sem querer falar uma palavra”.
 Ainda assim, a rainha D. Maria e os membros da família real portuguesa dedicavam muito afeto à infanta, rindo de suas travessuras e se encantando com suas exibições de dança. Numa Corte de velhos, a jovem princesa espanhola era a alegria do Palácio, sendo muito mimada e tendo suas vontades atendidas.
Ao alcançar a fase adulta, D. Carlota continua a surpreender a Corte pelo temperamento autoritário e extremamente extrovertido. A sociedade lusitana, muito conservadora, fica perplexa com suas atitudes, uma vez que está pouco acostumada a comportamentos espontâneos e expansivos vindos de uma mulher. A desenvoltura com que transita no espaço público, sua atuação no campo político e seu destempero no cotidiano familiar assustam particularmente os homens portugueses e estrangeiros, sempre muito tradicionais em relação ao comportamento feminino. Também causa estranheza sua conduta extravagante no dia a dia da Corte, oscilando entre ataques de raiva e atitudes racionais e generosas. Não são atitudes comuns à nobreza, principalmente a uma princesa consorte, cujo marido é um homem discreto e retraído.
As mulheres eram privadas do convívio social, mantidas presas ao cotidiano doméstico – seja na casa do pai, do marido ou no convento, quando freiras – sempre recolhidas a espaços reservados. As atitudes transgressoras de Carlota Joaquina inspiraram a construção de um perfil anedótico e preconceituoso, como o descrito por Madame Junot em seu livro de memórias. Mulher do general francês Junot, a duquesa de Abrantes acompanhou o marido durante o período em que esteve em Lisboa, e fez descrições detalhadas dos membros da família de Bragança. Preconceituosa, lança mão de narrativas burlescas e ressalta o atraso e a pobreza dos lusitanos. Carlota Joaquina é ridicularizada por seu modo extravagante de agir e de se vestir, e por suas características físicas muito feias. Ao descrever a família de Bragança, a marquesa a comparava a “um concurso monstro de fealdades em que cabiam os primeiros prêmios ao príncipe regente e a Dona Carlota”.
Outros contemporâneos relatam demonstrações de solidariedade e generosidade. Dois episódios narrados por Luiz Joaquim dos Santos Marrocos, bibliotecário da Biblioteca Real, ajudam a contradizer a má fama da princesa. Conta ele que a mulher de um servidor da Biblioteca Real foi acusada de adultério e, por causa disso, abandonada pelo marido. Ao saber da situação da mulher, Carlota Joaquina leva-a para o Palácio, dá-lhe roupas e chama seu médico particular para tratá-la. E vai além:“sabendo ao depois que ela tinha duas filhas pequenas e em desamparo, mandou logo buscá-las, vestiu-as nobre e magnificamente com primoroso enxoval, e pô-las a educar e aprender em um colégio de meninas, pagando mensalmente por sua educação”. Em outra ocasião, Carlota se deparou com um senhor açoitando uma escrava que lhe havia roubado 250 gramas de açúcar. Ao saber do motivo, solicita ao senhor que pare de açoitar a negra, e segue em seu passeio. Após ter caminhado alguns metros, ordena a um de seus guardas que volte e verifique se o tal senhor havia atendido ao pedido. O guarda surpreende o homem novamente espancando a escrava. D. Carlota volta ao local, repreende o homem e concede liberdade à mulher.
Mas a biografia de Carlota Joaquina ficou especialmente marcada pelo difícil relacionamento com o Gabinete do Regente. Particularmente, com D. Rodrigo de Sousa Coutinho (1755-1812), o conde de Linhares.O famoso rancor que passou a sentir pelo Brasil tem relação com a forma como era tratada no Palácio durante a administração do conde, que a impedia até de falar com seu marido, o Regente. A situação se agrava quando Carlota Joaquina – única herdeira do rei da Espanha em liberdade, pois os outros membros da família de Bourbon eram prisioneiros de Napoleão – lidera a defesa do império espanhol. D. Rodrigo não aceita a ascensão política da princesa e desencadeia uma guerra contra ela. Afasta todas as pessoas que a apoiam e corta sua mesada, a ponto de deixá-la completamente sem dinheiro.
Numa ocasião, foi procurada pelo governador e chefe do exército espanhol em Montevidéu, general Gaspar de Vigodet, que pedia auxílio para enfrentar a revolução de Buenos Aires, um movimento de independência naquele que era o último reduto da resistência espanhola no Prata. Sem recursos, Carlota convoca todos os ourives do Rio de Janeiro e coloca suas melhores joias à venda, mas os comerciantes se negam a comprá-las, certamente por pressão do Palácio. Ela só consegue levantar o dinheiro quando entrega as joias para serem vendidas pelo marquês de Casa Irujo, embaixador espanhol na Corte.
Mãe dedicada e até, algumas vezes, atenciosa com o marido, em cartas e bilhetes mostrava preocupação com o bem-estar e a saúde do Regente.
 Entretanto, em diversas situações, Carlota age por conta própria, sem considerar a opinião do rei. Quando volta a Portugal, por exemplo, torna-se um baluarte da defesa do absolutismo monárquico. É capaz de recusar-se a jurar a Constituição liberal portuguesa, mesmo sob ameaça de ser presa e deportada. Desobedece ao rei, desobedece ao marido.
O imaginário social sobre ela era uma lista de desonras: infiel, vulgar, ambiciosa, perversa, inculta, transgressora de todas as normas morais e éticas inerentes às mulheres da nobreza. Além disso, os ventos não lhe sopraram a favor politicamente. A grande maioria dos intelectuais da época era liberal, como quase todos os historiadores. São tempos de revoluções e de crescentes ataques aos representantes do Antigo Regime, aos absolutistas e seus defensores. Raras são as referências a Carlota como mãe de Pedro I e avó de Pedro II. Mais coerente com o mau retrato é lembrá-la como mãe de D. Miguel, absolutista como ela.
Incompatível com os papéis femininos de seu tempo e representante de uma tradição política em vias de extinção, Carlota Joaquina tornou-se duplamente sujeita a estereótipos. A personagem é mais complexa e interessante do que a lenda. 

Francisca Lucia Nogueira de Azevedo é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de Carlota Joaquina na Corte do Brasil (Civilização Brasileira, 2003).
 Saiba mais 
LIMA, Manuel de Oliveira. D. João VI no Brasil, 1808-1821. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.
PEREIRA, Sara Marques. D. Carlota Joaquina e os “Espelhos de Clio”. Lisboa: Livros Horizontes, 1999.
 
SHULTZ, Kirsten. Versalhes Tropical. Rio de Janeiro: Ed Civilização Brasileira, 2008.

quinta-feira, 16 de maio de 2013


A maior de todas as espiãs

Enfermeira e poliglota, a francesa Louise de Bettignies montou toda uma rede de espionagem para a Inglaterra e ajudou a combater a Alemanha na primavera de 1915. Desmascarada, foi presa e morreu no cárcere 
Louise de Bettignies

Para os ingleses, Alice Dubois. Para os franceses, Pauline. Seu nome verdadeiro, Louise de Bettignies. Independente, viajada, fluente em sete idiomas (francês, alemão, italiano, espanhol, russo e tcheco), era uma mulher avançada para sua época e, por sua atuação como espiã na Primeira Guerra, é considerada a precursora da luta na clandestinidade e das heroínas da Resistência Francesa na Segunda Guerra. Chegou a ganhar o apelido de

Joana d’Arc do Norte.

Sétima criança de uma família de nove filhos, nasceu em 15 de julho de 1880, em Saint-Amand-les--Eaux, norte da França, na fronteira com a Bélgica. Fez excelentes estudos, apesar dos reveses de fortuna que obrigaram seu pai, em 1877, a vender a fábrica de porcelana da família. Aos 26 anos, caso raríssimo para uma francesa, ela conseguiu ser admitida no Girton College, o departamento feminino da Universidade de Cambridge. Ganhando a vida como professora particular, mais tarde ela pôde ser vista na Itália, na Alemanha, na Tchecoslováquia ou na Áustria, onde esteve furtivamente com o imperador Francisco José e venceu uma partida de xadrez contra o filho do kaiser Guilherme II, o príncipe herdeiro Rupprecht da Baviera.
 

O arquiduque Francisco Ferdinando, que viria a ser vítima, em Sarajevo, do atentado que desencadearia a Primeira Guerra Mundial, chegou a propor a ela que se tornasse preceptora dos filhos dele. Em vão: para isso, Louise seria obrigada a abrir mão de sua nacionalidade francesa.


Como enfermeira, por vezes ela cuidava dos feridos do exército do kaiser Guilherme II, na área ocupada pelos alemães na região norte da França, desde o início da Primeira Guerra. Isso porque Louise visitava com frequência o irmão, vigário de Orsinval, próximo a Quesnoy. Numa dessas ocasiões ela acabou sendo alvo de um controle infeliz, feito por Rupprecht da Baviera, em visita àquele setor. Infeliz porque , afinal de contas, toda a fase do pré-guerra – o castelo de Holeschau, a partida de xadrez, as conversas com Elvira da Baviera – tinha supostamente criado laços.


Essa capacidade de se imiscuir entre os alemães chamou a atenção dos serviços secretos, tanto da França quanto da Inglaterra. Em fevereiro de 1915, um oficial francês se encontrou com ela discretamente, em sua residência de Saint-Omer, localidade que abrigava membros do quartel-general do corpo expedicionário britânico comandado pelo general John French. O motivo do encontro era descobrir se Louise de Bettignies aceitaria se tornar agente secreto. A jovem Louise não aceitou nem descartou a possibilidade, deixando no ar um “talvez”. Pouco depois os britânicos fizeram a ela um convite semelhante. O major Walter Kirke, comandante do serviço de informações militar inglês (Military Intelligence) na França gostaria de poder contar com o talento extraordinário da moça para falar tantos idiomas, e com tamanha fluência.

A inteligência francesa ficou incomodada com o convite feito pelos ingleses, mas não havia o que fazer. Os franceses cederam e Louise caiu nos braços do MI 6. Mas havia etapas intermediárias a cumprir antes de entrar em ação. Ela precisou passar por um estágio de formação no escritório interaliado de Folkestone. Lá aprendeu sobre códigos secretos, tintas invisíveis, combinação sobre como indicar um ponto sensível em um mapa, como identificar as unidades alemãs, as peças de artilharia. Nesse período, conheceu o coordenador britânico do serviço de informações, o major Cameron, vulgo “Tio Eduardo”. Para o MI 6, Louise passou a ser “Alice Dubois”, e a rede de contatos que ela tinha a missão de estabelecer na região norte da França e na Bélgica, seria chamada “o serviço Alice”.


De Folkestone, QG dos serviços secretos aliados, ela foi para a Holanda, que se manteve neutra no conflito. Pouco antes de atravessar a fronteira belga, o oficial inglês que a acompanhava declarou bruscamente: “Se for apanhada, não poderemos fazer nada por você, mas, se isso acontecer, terá sido certamente por sua culpa. Boa sorte”. Impossível ser mais claro...


Uma empresa comercial holandesa de fachada, a Companhia Cerealista de Flessingue, serviu de disfarce e estrutura logística em Bruxelas. Outro comando militar clandestino estava instalado em Lille, no norte da França, perto de Béthune. Os centros ferroviários mereciam atenção especial, como, por exemplo, os de Tourcoing ou Lille, por onde transitavam as tropas e material alemães, rumo ao fronte de batalha.


O braço direito de Louise era uma enfermeira do norte chamada Marie-Léonie Vanhoutte, de 27 anos, conhecida como “Charlotte ” no serviço Alice. Os demais colaboradores da rede eram de profissões e regiões das mais variadas: Lenfant, ex-comissário especial (informações gerais), era de Tourcoing; Willot, professor da Faculdade Católica de Medicina de Lille; Marsille, chefe eletricista; o velho Pinte, professor do Instituto Técnico de Roubaix; Verstappen, cônsul da Bélgica em Haia; a senhorita L’Hermitte e o abade Chavatte, em Haubourdin; Horst, responsável pela infiltração de seus compatriotas militares belgas. Essa era a rede mínima para poder comandar um conjunto de cerca de 100 agentes profissionais.
Túmulo de Louise

Ao todo, “Alice Dubois” faria algumas dezenas de idas e vindas entre Folkestone e o continente. Em meados de 1915, “Tio Eduardo” a apresentou ao general George Macdonogh, diretor do serviço militar de informações, assim como ao próprio general French. “A atividade do serviço Alice é extremamente importante, você consegue intensificar seus esforços?”, perguntou o general French. “Sejam lá quais forem os riscos, a resposta é sim!”, respondeu a jovem. “Cuide-se ”, aconselhou o militar.

Antes de voltar à luta clandestina, Louise viu pela última vez a mãe, Julienne, em Touquet: “Tenho o pressentimento de que em breve serei capturada”, admitiu. “E então, o que pode acontecer com você?”, perguntou a mãe. “Eles vão me fuzilar, eu imagino.”


No início de setembro, as mensagens do major Cameron a informavam sobre boatos que corriam, a respeito da infiltração de sua rede de contatos. Não sem razão: os alemães levavam o serviço Alice muito a sério. Léonie foi presa em 15 de setembro de 1915. Em 20 de outubro foi a vez de Louise.

As duas mulheres foram condenadas à morte em março de 1916, por espionagem. A pena foi comutada em prisão perpétua por conta da indignação que havia sido provocada pela execução de duas mulheres, a enfermeira inglesa Edith Cavell, em 12 de outubro de 1915, e a jovem patriota belga Gabrielle Petit, em 1º de abril de 1916.


Nas prisões belgas e, em seguida alemãs, um destino diferente aguardava as duas francesas. Apesar dos cuidados da companheira de infortúnio, Louise morreria em 27 de setembro de 1918, em um hopistal em Colônia, Alemanha, em decorrência de uma cirurgia feita sem os cuidados mínimos de higiene, em um cárcere de Sieburg. Léonie foi libertada após o armistício e viveu por mais meio século, falecendo em 4 de maio de 1967.

RÉMI KAUFFER é professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po) e autor de livro sobre serviços secretos na França.
 

sexta-feira, 12 de abril de 2013


Texto antigo diz que Pilatos ofereceu sacrificar filho no lugar de Jesus

Live Science explica sobre o beijo de Judas, marca da traição a Jesus Cristo


Um recém decifrado texto cristão egípcio de cerca de 1,2 mil anos traz uma versão inédita da crucificação de Jesus Cristo e de seus últimos dias. Entre as teses encontradas no ancestral documento estão a de que a última ceia de Jesus foi com Pôncio Pilatos e de que o profeta tinha a capacidade de mudar de forma. As informações são da publicação científica Live Science. 
Escrito em língua copta, o texto diz que o romano Pôncio Pilatos, que ordenou a crucificação, jantou com Jesus e ofereceu sacrificar o seu próprio filho para que Jesus não fosse crucificado.  O texto também diz que Jesus foi preso na noite de terça-feira, e não na quinta-feira, o que representaria uma mudança no calendário pascal. Com estas mudanças, a última ceia de Jesus teria sido com o juiz romano, e não com os apóstolos, como conta a Bíblia. 


 

Entre as teses do ancestral documento estão a de que a última ceia de Jesus foi com Pôncio Pilatos.
 
A descoberta do texto não quer dizer que estes eventos aconteceram, mas que algumas pessoas vivendo na época aparentemente acreditavam neles.
No texto, Jesus conforta Pilatos dizendo: "Ó Pilatos, você é digno de uma grande graça porque mostrou boa disposição para mim". O profeta também teria mostrado a Pilatos que poderia escapar se assim o quisesse. "Pilatos, então, olhou para Jesus e ele ficou incorpóreo: ele (Pilatos) não o viu (Jesus) por um longo tempo...", diz o texto. Pilatos é considerado um santo nas igrejas cristãs Copta e da Etiópia . 
 
 
Na Bíblia, o apóstolo Judas trai Jesus em troca de dinheiro ao identificá-lo com um beijo para que pudesse ser preso por oficiais judeus. O texto recém traduzido traz uma explicação para esse fato. O ato seria uma forma de identificar Jesus porque este teria a habilidade de mudar forma, "algumas vezes era branco, outras vermelho, outras cor de trigo, algumas vezes jovem, outras velho...". O beijo seria o modo encontrado por Judas para que fosse possível identificar quem era exatamente Jesus.
A tradução do texto foi publicada pelo holandês Roelof van den Broek, da Universidade de Utrecht, no livro Pseudo-Cyril of Jerusalem on the Life and the Passion of Christ. "A descoberta do texto não quer dizer que estes eventos aconteceram, mas que algumas pessoas vivendo na época aparentemente acreditavam neles", disse o autor. 
Cópias do texto foram encontradas em dois manuscritos em museus nos Estados Unidos. Ele foi escrito em nome de São Cirilo de Jerusalém, que viveu no Século IV, e há 1,2 mil anos estava no monastério de São Miguel, no deserto egípcio e próximo a atual cidade de al-Hamuli. Acredita-se que o monastério tenha fechado no início do século X. O texto foi reencontrado em 1910 e comprado em 1911 pelo magnata americano J.P. Morgan, que posteriormente os cedeu para os museus. 

Fonte:
Imagens: Internet

domingo, 6 de janeiro de 2013



CLAROS SUSSURROS DE CELESTES VENTOS


Por Luíz Horácio Rodrigues


Joel Rufino

Claros sussurros de celestes ventos, apresenta encontros fictícios entre escritores , Lima Barreto e Cruz e Sousa, por exemplo, além de encontros de seus personagens, a Olga, do Policarpo Quaresma, e a Núbia, de Broquéis. Vivem em outros tempos e outros cenários. Sets estranhos tanto a criadores quanto a criaturas, palcos onde atores e figurantes desfilam sob o mesmo status.





Cruz e Souza

Escrever sobre o encontro de Cruz e Souza com Lima Barreto pode parecer fino despropósito, mas Joel Rufino o faz com arte e sensibilidade, e isso pode levar o leitor curioso a um mergulho nas obras desses autores. Mas atenção: Joel Rufino exigirá toda sua atenção, por vezes disperso leitor, pois você estará frente ao fantástico, ao inverossímil, e por vezes, ao virar uma esquina/página, esbarrará num fato histórico. Modernismo, crise de 29, Revolução de 1932, por exemplo. Isso tudo disposto com precisão de um paisagista dos jardins de Versailles.



Modernismo - 1922




Ficção, fatos históricos, personagens e seus autores, tudo ao mesmo tempo, ontem e agora. O que é isso, confuão, equívocos. Pecado mortal de quem pensou dessa forma. O crente do convencionalismo será só decepção frente a esse grande exemplo de ousadia e criatividade. Tudo isso, mas sem perder a ternura jamais.

Claros sussurros de celestes ventos, além de seu grande significado ficcional, remete a aulas de teoria literária sem que isso desmereça seu caráter ficcional tampouco desabone a criatividade desse autor fora dos padrões. O "fora dos padrões" no universo deste aprendiz significa o mais alto elogio.

A obra traz elementos do conto, da reescritura, do histórico, da intertextualidade, do humor e sobretudo da arte refinada de unir imaginação, a mais rocambolesca, com um tempero de suspense que instiga a leitura. Não confundir suspense com expectativa de sobressalto, por favor.

Criatividade e imaginação, escritores (mortos) convivem e dialogam com personagens fictícios num tempo presente.

Sei que está em voga a intertextualidade, difícil encontrar livro, desse nosso desanimador tempo cultural, onde tal aspecto não seja evidente.E gratuito. A pena Joel Rufino está fora desse compasso constrangedor, seu intertexto tem tudo a ver com o contexto.

Claros sussurros de celestes ventos levará o atento leitor, este aprendiz se inclui, a uma série de reflexões. Antes, no entanto, um resumo da história: começa pelo dia da morte de Lima Barreto, na trama chamado pelo primeiro nome, Afonso. Cruz e Souza é João da Cruz, casa com sua personagem Núbia, ela aparece nos poemas de “Broquéis”.

A história de Cruz e Souza (João da Cruz) será acompanhada pela história da cidade de Nossa Senhora do Desterro, que adiante ganharia o nome de Florianópolis.

Após o fracasso de uma relação amorosa, João da Cruz deixa sua cidade, muda-se para o Rio de Janeiro onde encontra um desconhecido, Raul. Tornam-se amigos. Raul, o Pompéia, consegue um emprego para João da Cruz na Biblioteca Nacional.

Cruz será acusado e processado por supostamente danificar um livro.

Raul, o Pompéria, é demitido e se mata, João da Cruz morreria mais tarde, tuberculose. Deixa cartas, numa delas confessa seu amor por Núbia, amor interdito pelo fato de João da Cruz ser negro.

O que é inquestionável em Claros sussurros e celestes ventos é o fato dessa obra brilhar sozinha em meio ao quase deserto criativo onde rasteja nossa atual produção literária.Criatividade, imaginação, fabulação, literatura como literatura, nada a ver com alguns boletins de ocorrência ou exageros sentimentalóides que atulham estantes das livrarias.

Disse anteriormente que Claros sussurros estimulava um a série de reflexões. A primeira, Rufino não inventou a roda, sabe dar-lhe finalidade. Ao juntar personagens e autores não trouxe novidade, de certa maneira assemelhou seu trabalho ao de André Gide que em Diário dos moedeiros falsos, dialoga com os personagens, simultaneamente à criação do romance Os moedeiros falsos. Um dos personagens mais instigantes, e também merecedor da maior atenção de Gide, é Edouard, também escritor, que pretende escrever um romance chamado Os moedeiros falsos.

Edouard, assim como Gide, escreve um diário. As semelhanças entre esses escritos permitem ao leitor a percepção de um livro dentro do livro. Diário dos moedeiros falsos permite visualizar a construção dos personagens e deixa nítidas as marcas meta-literárias.

Em seu livro L'Art du roman, Milan Kundera (1986) diz que o romance se esforça em revelar um aspecto desconhecido da existência humana, uma possibilidade do ser que se ignorava até então. Sem dúvida é isso e mais, muito mais: o imaginário ocupa um vasto espaço na literatura, não podemos desprezá-lo, a imbricação dos gêneros literários concede imensas áreas de expressão.

Outra reflexão diz respeito ao fato juntar numa narrativa escritores mortos, tornando-os personagens como fez Gonçalo Tavares ao criar um bairro, mais precisamente uma rua, onde moram Kafka, Lorca e Joyce. A história traz referências a fatos das vidas desses autores.

Para concluir, tangenciando o gênero, podemos apontar relações com a reescritura. E aqui de uma forma sútil conforme exige esse viés literário. Reescritura, sempre oportuno lembrar, muito bem apresentada em Lúcia,de Gustavo Bernardo, uma reescritura de Lucíola e Hamlet, de Marici Passini. Antes de continuar acrescento que o tema reescritura tem merecido uma série de estudos academicos e livros equivocados. Livros que reescrevem livros que já reescreveram livros. Um horror! Voltarei ao tema em ocasião oportuna. Espero.

Delicadeza, humor, sensibilidade e consciência social, abundantes na obra, levam este aprendiz a não abordar o tema vergonhoso do racismo. O autor abordou o caso comme il faut.

Agora sim, para encerrar Todorov. "Todo grande livro estabelece a existência de dois gêneros, a realidade de duas normas: a do gênero que ele transgride, que predominava na literatura precedente, e a do gênero que ele cria [...]. Geralmente, a obra-prima literária não se encaixa em nenhum gênero".

Luíz Horácio Rodrigues -  Natural de Quaraí, pequeno município gaúcho na fronteira com o Uruguai, é formado em Letras e Mestre na mesma área. Viveu sua juventude na terra natal e em Porto Alegre, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se formou em Letras e passou cerca de vinte anos ali, escrevendo e colaborando com páginas literárias de várias publicações. Atualmente reside em Porto Alegre (RS). Sua principal obra é a denominada Trilogia Alada, inaugurada com Perciliana e o pássaro com alma de cão, seguida de Nenhum pássaro no céu, e encerrada agora com Pássaros grandes não cantam.

Imagens: Internet