terça-feira, 26 de junho de 2012

O poeta moderno e seu dilema

Ronaldo Correia de Brito

O escritor italiano Roberto Calasso referiu que na Grécia os prêmios concedidos aos atletas eram bem mais valiosos do que os dos poetas. Vocês todos se lembram de que havia os torneios poéticos e neles os concorrentes apresentavam uma tetralogia, quatro tragédias sobre um mesmo tema. Os tragediógrafos mais conhecidos dessa época foram Ésquilo, Sófocles e Eurípides.


Sófocles

Ésquilo

Eurípides

O planeta mudou bastante desde aquele tempo de Címon e Péricles. Os gostos também mudaram de alguns anos para cá. Alguém acredita que o difícil livro de Calasso, As Núpcias de Cadmo e Harmonia, onde suponho ter lido sobre as premiações, frequentou a lista dos mais vendidos, aqui no Brasil? Não dá para imaginar isso nos dias da saga Crepúsculo.



  
                   Óstraco com o nome de Címon (Κίμων ο Μιλτιάδου).
 
Péricles

Mas voltemos à Grécia. Os prêmios concedidos aos vencedores eram odres de vinho e potes de azeite, nada comparável ao que ganham os atletas do futebol, quando vencem uma partida de campeonato. Pagaram fortunas aos jogadores da Espanha, após a vitória na última Copa do Mundo. Sem contar os

salários milionários que eles já recebem dos clubes.

Os atletas levavam mais vinho e azeite para casa do que os poetas. E eram disputados pelos homens ricos, que os cobriam de presentes, interessados em outros dotes. Os escritores raramente estiveram nessas loterias amorosas: nunca primaram pelos músculos e alguns não tinham bom hálito. Portanto, desde a Grécia, aquele lugarzinho que está causando dor de cabeça à comunidade europeia e tem fama de ser o berço da cultura e da filosofia ocidental, os atletas levaram a melhor. E olha que ainda não existia futebol, nem Messi e Neymar.

Outro escritor, o mexicano Octavio Paz, escreveu sobre a penúria em que viveram alguns poetas. Penúria é um eufemismo, um jeito delicado de esconder que muitos pediam esmolas. Paz refere que “o traço distintivo da Idade Moderna, do ponto de vista da situação social do poeta, é uma posição marginal. A poesia é um alimento que a burguesia – como classe – tem sido incapaz de digerir. Eis porque uma vez ou outra ela tentou domesticá-la”. E acrescenta: “Muitos poetas contemporâneos, desejosos de salvar a barreira de vazio que o mundo moderno lhes opõe, tentaram buscar o perdido auditório: ir ao povo. Só que já não há povo – há massas organizadas. E assim, ‘ir ao povo’ significa ocupar um lugar entre os ‘organizadores’ da massa”.
 
Octavio Paz
 
Esse lugar ‘organizador’ quem ocupa são os jogadores de futebol, lutadores do UFC, corredores de Fórmula 1, tenistas e heróis do Big Brother. Os que aparecem nas primeiras páginas dos jornais, nas capas das revistas, nos programas de televisão, em sites e blogs. Aos poetas que já foram sacerdotes, profetas, rebeldes, santos e bufões impuseram uma função burocrática.

Não lembro o nome de nenhum atleta grego, apenas os que foram celebrados na poesia ou nos relatos míticos, criados pela imaginação dos poetas. Nesse final de semana assistimos o duelo entre dois tenistas, o espanhol Nadal e o sérvio Djokovic, disputando o Torneio Aberto da Austrália. Disseram que foi a maior partida da história. Durante quase seis horas os atletas mostraram técnica, persistência e capacidade de superação dos limites fisiológicos, pondo suas vidas em risco. O mundo se comoveu e o vencedor ganhou um prêmio de cerca de dois milhões e meio. Bem maior do que alcança com o Nobel um físico, um político ou um poeta, após uma vida de pesquisas, estudos e dedicação à causa do homem.

Só quem chega às ‘massas organizadas’ merece os odres de vinho e os potes de azeite. O poeta mitiga sua solidão, incomunicável e pobre. Raramente vira um fenômeno de massas. Quando alcança isto, todos o achincalham e duvidam de que seja verdadeiramente um poeta.

Ronaldo Correia de Brito (Saboeiro - CE) 
Assista ao vídeo de entrevista com o autor:

Dramaturgo, contista, documentarista, médico e psicanalista. Escreveu Trilogia das Festas Brasileiras - O Baile do Menino Deus (1987), Bandeira de São João (1989) e Arlequim (1990), Pavão Misterioso e dos livros de contos: Três Histórias na Noite (Prêmio Governo do Estado de Pernambuco de 1989), , As Noites e os Dias (Recife: Ed. Bagaço, 1996), Faca (São Paulo: Ed. Cosac & Naif, 2003) e O Livro dos Homens (São Paulo: Ed. Cosac & Naif, 2005),  Desenvolveu pesquisas e escreveu diversos textos sobre literatura oral e brinquedos de tradição popular, além de ter sido escritor residente da Universidade da Califórnia, em Berkeley, no ano de 2007. e os romances Galiléia pela Alfaguara, com o qual vou vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura 2009, Retratos Imorais - Alfaguara / Objetiva. Escreveu durante sete anos para a coluna Entremez, da revista Continente Multicultural, e atualmente assina uma coluna semanal na revista Terra Magazine e a coluna do Jornal O Povo (CE).

Imagens: Internet 
Foto de Ronaldo correia de Brito: Acervo pessoal de Lígia Lopes