quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Émile Zola- entre a genialidade e a justiça

A fama do escritor francês veio não só de suas obras como também de seu empenho em defender a absolvição de um condenado, desafiando a justiça e a política de sua época.





por Henri Mitterand

Junho de 1908. Os restos mortais de Émile Zola são levados ao Panthéon. Um fanático nacionalista e anti-semita, Gregori, dispara contra o comandante Alfred Dreyfus e o fere no braço. As brasas do caso Dreyfus não estão extintas, os velhos rancores permanecem vivos. Em 29 de setembro de 1902, a morte de Zola, por asfixia em seu apartamento da rue de Bruxelles, fora talvez a conseqüência de um atentado. Três teses se contrapuseram a esse respeito: a da investigação oficial, que concluiu por um acidente, a de uma investigação particular feita em 1952, que apoiou em testemunhos indiretos a hipótese de um ato criminoso, e uma outra, recente, do comissário Marcel Leclère, que se inclinou pela hipótese de uma morte involuntária, resultante de erro. Em 30 de setembro de 1902, La Libre Parole, jornal do líder anti-semita Drumont, dizia na manchete de primeira página que Zola havia sido asfixiado. Alguns choraram, outros aplaudiram. Zola era então, e desde muito tempo, objeto de admirações incondicionais e de ódios irreconciliáveis; literários, morais, políticos. Ele jamais detestou isso.

Émile Zola nasceu em 10 de abril de 1840, no coração de Paris, filho de um engenheiro de origem veneziana, Francesco Zola, e de Emilie Aubert, natural da região da Beauce, 24 anos mais jovem que o marido. François Zola construiu em Aix-en-Provence a barragem e o canal Zola. Morreu em 1847 das seqüelas de um resfriado. Seu filho, órfão aos sete anos, viveu em Aix até perto dos 17, enfrentando dificuldades cada vez maiores, pois a família foi enganada pelos homens que se apoderaram da empresa do canal Zola. É assim que se formam os revoltados. No colégio Bourbon de Aix-en-Provence, ele teve como companheiro mais próximo Paul Cézanne, filho de um banqueiro, que sonhava em pintar com o mesmo ardor com que ele sonhava em escrever. Encontro extraordinário de dois garotos que lançariam por terra todas as convenções da arte. Quando Zola "subiu" para Paris, em fevereiro de 1858, foi um rude golpe em uma amizade que ainda se prolongaria por quase 30 anos.

Aluno do liceu Saint-Louis, ele fracassou no exame de conclusão do ensino médio em 1859. Estava mais interessado no espetáculo da cidade, revirada e reconstruída pelos pedreiros de Haussmann, do que nas aulas. Ele não insistiu. Seguiram-se três anos de vida boêmia nos alojamentos a preço módico da colina Sainte-Geneviève. Zola perambulava, vagava pelos ateliês de pintura na companhia de Cézanne, leu todos os clássicos e todos os românticos e compôs milhares de versos, pois se imaginava poeta. No decorrer do inverno de 1860-1861, teve um relacionamento com uma mulher tão pobre quanto ele. Chamava-se Berthe, é tudo que se sabe a seu respeito. Ela passava de amante em amante, levando ao desespero seu poeta famélico. Eles se separaram. Talvez ela tenha libertado o verdadeiro gênio de Zola, que voltou as costas à elegia romântica e se inscreveu na rude escola do real. Seu primeiro romance, La confession de Claude, em 1865, fez a transposição de sua aventura.


Fim do período boêmio. Em março de 1862, uma recomendação o fez ingressar na Librairie Hachette, famosa editora francesa. Zola agarrou com as duas mãos a chance que passava. Encarregado da publicidade e da distribuição dos livros à imprensa, atendia ao mesmo tempo editores, escritores e jornalistas, o que lhe permitiu organizar rapidamente uma valiosa agenda de endereços. Lendo os autores da Hachette e das outras editoras, educou-se como livre-pensador. Aos 25 anos, crítico literário, cronista e logo crítico de arte, afirmava bem alto sua admiração pelos escritores e artistas que desafiavam o conformismo: os Goncourt, Flaubert, Courbet, Manet. Enquanto todos os críticos oficiais cobriam de injúrias o pintor de Déjeuner sur l'herbe e de Olympia, ele bradou em L' Evénement: "O lugar do sr. Manet é no Louvre!"



Retrato de Zola (Manet)


Seguiram-se alguns anos difíceis. Zola deixou a Hachette, no início de 1866, para viver exclusivamente de sua pena, de um pequeno jornal a outro, produzindo na base de um romance por ano. Ora, o pagamento dos textos era irregular e os romances não davam retorno. Ele tinha a seu encargo a mãe e a mulher, Alexandrine. Felizes os escritores que tinham boas rendas, como Flaubert e os Goncourt. Zola estava o tempo todo contra a parede.

Paradoxalmente, foi o Império que o livrou das dificuldades. Em maio de 1868, Napoleão III liberalizou o regime da imprensa. Os jornais oposicionistas surgiram como cogumelos depois da chuva. Zola ingressou em La Tribune, onde atuou durante dois anos. Por meio de amigos de Victor Hugo, teve abertas as colunas do Rappel, mais ferozmente republicano que La Tribune. A abdicação de Napoleão III o preservou no último instante de uma condenação por estímulo ao menosprezo pelo governo. A propaganda democrática o alimentava, e ele não pedia mais do que isso. Mas o que fazer em uma Paris atacada pelo exército prussiano, durante a Guerra Franco-prussiana (1870-1871)? Em 7 de setembro de 1870, os Zola conseguiram embarcar em um dos últimos trens que deixaram a estação de Lyon. Passariam o fim da guerra em Marselha, onde Zola fundou um jornal hoje desaparecido, La Marseillaise, e depois em Bordeaux, onde ele se fez contratar como cronista parlamentar de La Cloche. Cada vez que, no decorrer desses cinco anos, o solo ameaçava afundar sob ele, Zola retomava pé com uma rara habilidade tática e com um desprezo crescente pelo pessoal político.

Uma ferida na honra francesa


por Raphaella de Campos Mello

Em 1894, o judeu Alfred Dreyfus, oficial do exército francês, foi acusado de ser um suposto informante a serviço do governo alemão. O crime foi enquadrado como alta traição e o acusado sofreu um processo fraudulento conduzido a portas fechadas. A farsa foi acobertada por uma feroz onda de nacionalismo e xenofobia que invadiu a Europa no final do século XIX. Dias soturnos já avistados em 1886, com o lançamento do panfleto anti-semita de Édouard Drumont intitulado A França judia.





A perseguição ao oficial começou quando Madame Bastian, encarregada da limpeza na embaixada alemã em Paris, descobriu uma carta no cesto do lixo do adido militar alemão, o tenente-coronel Schwarzkoppen. O achado caiu nas mãos do serviço secreto francês, que concluiu ser o escrito a prova da existência de um traidor entre o corpo militar. Um bode expiatório fez-se necessário. Seu nome: Alfred Dreyfus, condenado à prisão perpétua na ilha do Diabo, na costa da Guiana Francesa.




Em 1898, evidências de sua inocência possibilitaram um segundo julgamento. Mais uma encenação. A permanência da sentença anterior provocou a indignação de Émile Zola, peça-chave da campanha pelo indulto do militar injustiçado. Zola fez excelente uso do único meio de mobilização da opinião pública na época: a imprensa escrita. Seu golpe de mestre veio em 1898, com a publicação de J'Accuse, a célebre carta aberta ao presidente da República Félix Faure, publicada pelo jornal L'Aurore.

Indignado, o escritor endereça uma reprimenda à França: "Como poderias querer a verdade e a justiça, quando enxovalham a tal ponto todas as tuas virtudes lendárias?". A polêmica agrupou os franceses em duas frentes de batalha: os dreyfusards e os anti-dreyfusards. Provocador da balbúrdia, Zola foi condenado a um ano de prisão por difamação. Resolvido com o exílio de um ano na Inglaterra.

Charles-Ferdinand Walsin Esterhazy, major do exército francês, foi o verdadeiro autor da carta, desmascarado, em grande parte, graças aos esforços de Zola. Infelizmente, Zola, não assistiu à revisão do processo, que promoveu a reabilitação do oficial em 1906.



Morte de Zola


Túmulo de Zola



Émile Zola morreu vítima de intoxicação de monóxido de carbono proveniente de um fogão de lenha, a 28 de Setembro de 1902.


Resumo de Germinal (Considerado sua obra-prima)


Amplamente considerada a obra máxima de Émile Zola, Germinal (1885) elevou a estética e a descrição naturalistas a um novo patamar de realismo e crueza. O romance é minucioso ao descrever as condições de vida subumanas de uma comunidade de trabalhadores de uma mina de carvão na França. Após ter contato com idéias socialistas que circulavam pela classe operária européia, os mineradores retratados na obra revoltam-se contra a opressão e organizam uma greve geral, exigindo condições de vida e trabalho mais favoráveis. A manifestação é reprimida e neutralizada, entretanto permanece viva a esperança de luta e conquista.

Para compor Germinal, o autor passou dois meses trabalhando como mineiro na extração de carvão. Viveu com os mineiros, comeu e bebeu nas mesmas tavernas para se familiarizar com o meio. Sentiu na carne o trabalho sacrificado, a dificuldade em empurrar um vagonete cheio de carvão, o problema do calor e a umidade dentro da mina, o trabalho insano que era necessário para escavar o carvão, a promiscuidade das moradias, o baixo salário e a fome. Além do mais, acompanhou de perto a greve dos mineiros.

Bibliografia

Poesia
·
Messidor (1898)
L'ouragan (1901)

Romances e Novelas
·
Contes à Ninon (1864)
La confession de Claude (1865)
Madeleine Férat (1868)
Le vœu d'une morte(1866)
Les mystères de Marseille (1867)
Thérèse Raquin (1867)
Nouveaux contes à Ninon (1874)
Les soirées de Médan (1880), em colaboração com Maupassant, Huysmans, Léon Hennique, Henri Céard e Paul Alexis.
Madame Sourdis (1880)
Le capitaine Burle (1882)
Naïs Micoulin (1884)
A saga dos Rougon-Macquart
A fortuna dos Rougon - La fortune des Rougon(1870)
O regabofe - La Curée (1871)
O ventre de Paris - Le ventre de Paris (1873)
A conquista de Plassans - La conquête de Plassans (1874)
O crime do padre Mouret - La faute de l'abbé Mouret (1875)
O senhor ministro - Son excellence Eugène Rougon (1876)
A taberna - L'assommoir (1876)
Uma página de amor - Une page d'amour (1878)
Nana (1879)
A roupa suja - Pot-Bouille (1882)
O paraíso das damas - Au bonheur des dames (1883)
A alegria de viver - La joie de vivre (1884)
Germinal (1885)
A obra - L'ouvre (1886)
A Terra - La Terre (1887)
O sonho - Le rêve (1888)
A besta humana - La bête humaine (1890)
O dinheiro - L'argent (1891)
A derrocada - La débâcle (1892)
O doutor Pascal - Le docteur Pascal (1893)

A série das Três cidades
·
Lourdes (1894)
Rome (1896)
Paris (1898)

A série dos Quatre Evangelhos
·
Fécondité (1899)
Travail (1901)
Vérité (publié en 1903, após a morte do autor)

Peças de teatro
·
Thérèse Raquin (
1873)
Les héritiers Rabourdin (1874)
Le bouton de rose (1878)
Poèmes lyriques
Obras críticas
Mes haines (1866)
Le roman expérimental (1880)
Une campagne (1880-1881) (1882)
Nos auteurs dramatiques (1881)
Les romanciers naturalistes (1881)
Le naturalisme au théâtre (1881)
Documents littéraires (1881)
Nouvelle campagne (1896)
La vérité en marche (1901)

Fontes:

Henri Mitterand é professor emérito na Sorbonne Nouvelle. Publicou numerosos textos sobre a obra de Zola e sobre os romancistas dos séculos XIX e XX.

http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/emile_zola-_entre_a_
genialidade_e_a_justica.html

http://www.netsaber.com.br/resumos/list_autores_l_e.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89mile_Zola


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segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Aisha - A favorita do profeta Maomé - uma relação de ciúmes e traição.

Entre as 13 esposas de Maomé, Aisha era a predileta. Ciumenta e inteligente, seus relatos da vida conjugal viraram modelos de conduta e influenciaram a tradição muçulmana


por Adriana Maximiliano

Aisha bint Abu Bakr tinha 6 anos e estava se divertindo num balanço, no quintal, quando soube que ia se casar. A mãe da menina deu a notícia e avisou que, a partir daquele dia, estava proibido "brincar fora de casa". O futuro marido era o melhor amigo do seu pai e tinha 51 anos. Em uma cerimônia sóbria, na casa da família da noiva, em Medina, Arábia Saudita, a união foi oficializada em 623 d.C. Ela contava 9 anos e se tornava a terceira mulher de Maomé, o criador do islamismo. Foi, para sempre, a preferida do seu harém. Quando perguntaram ao profeta a quem mais amava no mundo, ele foi direto: Aisha. Nos braços dela, morreu nove anos depois, e no quarto da favorita foi enterrado.
A vida de Aisha é tema de um polêmico romance lançado na Europa e nos Estados Unidos, The Jewel of Medina, da norte-americana Sherry Jones. A editora Random House desistiu da publicação, após ameaças terroristas, e a casa da dono da Gibson Square, Martin Rynja, que insistiu na iniciativa, sofreu uma tentativa de incêndio. Os críticos consideraram o livro uma piada de mau gosto. Sherry desenha Aisha como uma menina ocidental do século 21, caída de paraquedas no colo de Maomé.




Aisha e Maomé

Mas o que se sabe realmente sobre a história dessa jovem? Segundo uma das principais biógrafas das esposas de Maomé, Nabia Abbott, a menina e o profeta costumavam tomar banho juntos e até brincavam de boneca. Foi ao lado dela que ele teve a maior parte de suas revelações, as verdades fundamentais que iriam compor o Corão. E a própria Aisha contou que Maomé gostava de rezar com a cabeça recostada em seu colo, enquanto suava vigorosamente e ouvia sinos tocar. Embora sejam escassos os registros sobre a aparência física da jovem, provavelmente de cabelos e olhos castanhos, como a maioria das moças árabes, os textos apontam pelo menos uma diferença entre Aisha e as outras 13 esposas (e duas concubinas): era a mais jovem e foi a única a casar virgem.

Mel e ciúme





O casamento com crianças era comum na época e Aisha jamais se lamentou. Pelo contrário, era possessiva e ciumenta. Uma vez, armou um plano para afastar o marido de sua quarta esposa, Hafsa, com quem ele andava se demorando mais do que o costume. O profeta adorava doce e Hafsa havia ganhado um pote de mel, verdadeiro motivo das atenções especiais que vinha recebendo. Aisha, então, chamou outras duas esposas, Sawda e Safiyya, e combinou que todas deveriam reclamar do hálito do esposo e culpar a alimentação das abelhas pelo cheiro ruim. Deu certo. Ele ficou cismado e não quis mais o mel de Hafsa.





Mas o que assombrava mesmo Aisha era o fantasma de Khadija bint Khouweylid, a primeira esposa de Maomé, rica, mais velha que ele e morta três anos antes do casamento da menina. Roía-se de ciúme porque o marido fora fiel a Khadija, que, por sua vez, o ajudara a fundar o islamismo. Foi para ela que ele primeiro contou sobre a visão do anjo Gabriel. Tiveram seis filhos - dois meninos, que morreram, e quatro meninas. Maomé seria pai somente mais uma vez, com uma de suas concubinas - mas o menino, Ibrahim, também morreria na infância.



Um mês depois da morte de Khadija, no ano 619, Maomé decidiu se casar de novo, por sugestão de uma tia, Khawla bint Hakin. Ela também sugeriu opções de noiva: "Se quiser uma virgem, [case] com Aisha, filha de seu amigo Abu Bakr. Se quiser uma não-virgem, com Sawda". Viúva vinda da Abissínia, a segunda indicação da tia do profeta aceitou de pronto o pedido, e eles se casaram.

Abu-Bakr, que era então o mais importante aliado de Maomé, também concordou em ceder a filha. Mas Aisha estava prometida a outro e era necessário desfazer o compromisso. Foi fácil. Os pais do menino eram cristãos e cancelaram o trato com alívio. Assim, começaram as visitas diárias do novo pretendente à namorada.

A união aconteceu logo depois da mudança de Meca para Medina, fugindo da perseguição dos judeus. Chamado de hégira, o êxodo de Maomé e de seus seguidores inaugurou o islamismo, em 622 da era cristã. A fuga deu início ao calendário maometano e fim à infância de Aisha. “Nenhum camelo ou ovelha foi sacrificado no meu casamento”, contaria ela. Todas as atenções estavam concentradas em consolidar a nova religião.


O Alcorão


Em Medina, ele construiu apartamentos de tijolo para cada uma das esposas. O local onde ficava o de Aisha, hoje, é a Mesquita de Medina. Ninguém imagine um palácio. “Os apartamentos das mulheres de Maomé eram tão pequenos que mal se podia ficar de pé dentro deles. Ele não tinha casa. Passava cada noite com uma esposa e o apartamento dela virava a sua residência durante o dia”, escreveu Karen Armstrong no livro Muhammad: a Prophet for our Time (“Maomé: um profeta para o nosso tempo”), sem edição em português.

Divórcio coletivo



Meca

Fora Aisha e Khadija, todas as mulheres de Maomé eram viúvas de aliados, que ele desposou para não deixá-las desamparadas. A menina, diferentemente, não foi escolhida por conveniência. E seus privilégios logo ficaram evidentes. Assim que Aisha entrou na vida do profeta, ele passou a evitar Sawda, que, com medo de ser abandonada, cedeu à rival seu dia (e noite) com o marido, garantido por direito. A história inspirou o versículo 128 da surata (capítulo) do Corão: “Se uma mulher notar indiferença ou menosprezo por parte de seu marido, não há mal em se reconciliarem amigavelmente, porque a concórdia é o melhor, apesar de o ser humano, por natureza, ser propenso à avareza”.

Os textos da Suna, código de ética islâmico, do século 8, também destacam o favoritismo. “A superioridade de Aisha em comparação às outras mulheres é como a do tarid [um prato de pão e carne que ele adorava] em relação a outros tipos de comida. Muitos homens alcançam esse nível de perfeição, mas nenhuma mulher o conseguiu, exceto por Maria, filha de Imran, e Asia, a mulher do Faraó”.

A preferência, contudo, nunca significou exclusividade. Quando Aisha perguntou ao profeta quem seria a sua mulher no paraíso, ele avisou: “Você será uma delas”. E, numa crise entre as esposas, ele até ameaçou se separar de todo o harém: ou as mulheres aceitavam suas condições ou ia pedir o divórcio. Diversas versões explicam a medida drástica. Segundo uma delas, Aisha e Zeinab bint Khuzainah, a quinta esposa, começaram uma disputa por animais abatidos. Outra versão diz que a quarta esposa, Hafsa, flagrou Maomé com uma concubina no dia de Aisha e contou a ela. Ao retornar das montanhas, um mês depois, nenhuma quis deixá-lo.



Ascensão de Maomé

Maomé morreu deitado no chão do quarto de Aisha, com a cabeça no colo dela, em 632. As outras mulheres consentiram que, enquanto tratava de sua doença misteriosa, ficasse com a esposa preferida. O corpo foi enterrado no mesmo cômodo, que passou a ser chamado de Quarto Sagrado.

Com a morte do marido, Aisha se dedicou aos estudos. Tinha 18 anos, mas não teve filhos e foi proibida de casar de novo. Assim como as outras, não recebeu herança do profeta, que doou seus bens para caridade. Mas, pelo Quarto Sagrado, ganhou 200 mil dirhams, tanto dinheiro que precisou de cinco camelos para transportá-lo. As viúvas ficaram conhecidas como Mães dos Crentes e eram muito respeitadas. Em 641, começaram a receber uma pensão do Estado. Por ter sido a favorita, Aisha ganhava mais.

O pai da jovem esposa, Abu Bakr, virou o primeiro califa, sucessor do profeta e com poderes sobre todos os muçulmanos. O posto só foi extinto em 1924, quando a Turquia aboliu o Império Otomano. Mas, até lá, as disputas deixaram marcas. O quarto califa, Uthman ibn Affan, governou por 12 anos conturbados, até ser assassinado e substituído por Ali ibn Abu Talib, primo e genro de Maomé, marido de sua filha Fátima, e um antigo desafeto de Aisha.

Na guerra civil contra Ali, ela protagonizou, em 4 de dezembro de 656, sua primeira e única experiência militar. Por causa de Aisha, o confronto ficou conhecido como a Batalha do Camelo. A viúva poderosa foi à praça de guerra em seu camelo, Askar, dar apoio moral aos aliados, escondida por trás dos véus da sua howdah (o assento alto, usado sobre a sela). Mas Ali a descobriu e ordenou a todos os seus homens que atacassem Askar. O camelo e centenas de soldados morreram e Aisha acabou presa. Os muçulmanos, daí em diante, iriam se dividir entre xiitas, partidários de Ali, e sunitas, do rival Amir Muwiya.

O desastre no campo de batalha afastou Aisha da política e serviu de pretexto para que, no século 10, os muçulmanos atribuíssem à mulher um papel desbotado, escondida sob véus da cabeça aos pés. Na época de Maomé não era assim. Suas esposas usavam véus discretos, cobrindo o colo e apenas parcialmente a cabeça. Aisha morreu em 678, de doença desconhecida. Segundo as feministas, ela foi absolutamente relevante para a construção da tradição islâmica, como demonstram os seus muitos relatos que, mesmo vindos de uma mulher, foram incorporados à Suna.

O caso do colar

Uma carona de camelo gera perigosas suspeitas de adultério




As esposas de Maomé costumavam acompanhá-lo nas batalhas, encarregadas de levar a água, alimentar os guerreiros e cuidar dos feridos. Certa vez, Aisha se desgarrou e o episódio gerou uma crise política para o profeta. Depois da Batalha da Trincheira, contra os judeus, em 628, Maomé passou a fazer expedições fora de Medina. Em uma delas, na hora de levantar acampamento, Aisha se afastou - segundo ela, para urinar - e, na volta, notou que tinha perdido um colar de ágatas. Refez o caminho para procurá-lo e, embora tenha encontrado a joia, perdeu-se do grupo. O condutor dos camelos pensou que ela estivesse na howdah (assento sobre as selas dos camelos), que tinha as cortinas cerradas, e partiu. Aisha, por sua vez, adormeceu, esperando que viessem buscá-la, até ser acordada por um jovem muçulmano, Safwan ibn al-Muattal. Ele a levou a Medina, de carona num camelo. Mas, ao chegarem juntos, suspeitas de traição correram a cidade. O profeta aconselhou-se com o genro Ali ibn Abu Talib, que nunca gostou de Aisha e julgou-a culpada. Procurou a escrava da mulher, que, por sua vez, a defendeu. Resolveu visitar a esposa: “Se você é inocente, Alá vai absolvê-la. Mas, se é culpada, peça pela misericórdia Dele”. Na mesma noite, teve uma revelação. “Alá, o Altíssimo, mostrou que você é inocente”, contou a Aisha. Chicoteou então três acusados de espalhar os rumores e ditou o capítulo 24 do Corão: “São necessárias quatro testemunhas para alguém ser declarado culpado de adultério”.

Contos de fé

Ditados sagrados falam da vida do profeta e ditam normas
A história de Aisha, assim como a de Maomé, foi preservada por meio de relatos feitos por ela mesma e por outros seguidores do profeta. Esses testemunhos são conhecidos como ahadith ou, no singular, hadith (ditado, em árabe). Maomé ditou o Corão, livro sagrado do islamismo. Mas, quando ele morreu, muitas normas de conduta não estavam estabelecidas, e as suas viúvas eram consultadas para desfazer dúvidas éticas. Aisha foi a que mais colaborou. Com excelente memória, lembrava com detalhes de situações pelas quais o profeta passara, o que ele dissera e como teria agido na ocasião. Tornou-se, assim, peça importante para todo o Islã: os milhares de ahadith formam a Suna, o código mais importante dos muçulmanos, depois do Corão. O historiador Imam Bukhari, um dos mais conceituados no Islã, estudou cerca de 500 mil ahadith no século 9 e atestou que apenas 7275 eram verdadeiros. Destes, 2210 são atribuídos a Aisha.


Saiba mais

LIVROS

Maomé: uma Biografia do Profeta, Karen Armstrong, Companhia das Letras, 2002

Biografia de Maomé que conta diversos episódios da vida de Aisha.

The Beloved of Mohammed, Nabia Abbott, The University of Chicago, 1942

A principal biografia de isha.

SITE : www.usc.edu/dept/MSA/fundamentals/hadithsunnah/ - Textos da Suna (em inglês).

Fonte: http://historia.abril.com.br/gente/favorita-profeta-479973.shtml

Imagens: Internet

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Mitologia Grega: nem Zeus se salva

As histórias parecem filme de terror. E os deuses do Olimpo estão mais
para capeta que para santo

Os gregos bem que poderiam ter sido roteiristas de filmes de terror. As histórias que cercam cada divindade, cada ser mitológico, são impressionantes. Como quase todos os povos, eles atribuíam os fenômenos inexplicáveis à ação dos deuses. Ou eram obra de heróis do passado. A criação do mundo, é claro, foi obra desses seres superiores. Segundo historiadores, os antigos gregos não chegaram a um acordo sobre como foi a criação do mundo e quem era o deus responsável no momento.

Na mitologia grega, deuses e deusas formavam uma imensa e confusa família. Por um lado, comportavam-se como seres humanos comuns: amavam, odiavam, comiam, bebiam, tinham filhos, eram cruéis e vingativos. Eram também imortais, poderosos e muito sensíveis. Qualquer pisada na bola, por menor que fosse, desencadeava um castigo descomunal, mesmo entre eles lá em cima. E aí entrava a criatividade alucinada dos gregos. Para evitar essa situação desagradável, os adivinhos tentavam “ler” o desejo dos deuses no vôo das aves, nas entranhas de animais sacrificados e nos sonhos. Havia também os oráculos, locais sagrados onde um deus respondia às perguntas dos fiéis através de um intermediário (o sacerdote) em estado de êxtase. O oráculo mais famoso era o de Apolo, na cidade de Delfos.

Doze deusesda terceira geração de deuses desde a criação do mundo – acabaram caindo mais no gosto da população. Eram os primeiros com aspecto humano. Viviam no monte Olimpo, no norte da Grécia. Mais tarde, o Olimpo tornou-se um lugar abstrato, acima das nuvens. Os doze bambambãs eram: Zeus, senhor do raio e pai dos deuses e dos homens; Hera, protetora do casamento; Deméter, deusa da agricultura; Poseidon, senhor dos mares; Afrodite, deusa do amor sensual, esposa de Hefesto e amante de pelo menos outros quatro; Atena, deusa da sabedoria; Ares, deus da guerra; Apolo, deus da adivinhação, da música e da medicina, além de ser o galã da família; Ártemis, deusa da caça e protetora da vida selvagem – seu templo é uma das Sete Maravilhas da Antiguidade; Hefesto, deus do fogo e dos metais; Hermes, protetor dos ladrões, condutor da alma dos mortos e mensageiro dos deuses; Dionísio, deus do vinho e da embriaguez. Hades, irmão de Zeus, era menos popular porque tinha uma atribuição ingrata: ele era o soberano do mundo subterrâneo, ou seja, dos mortos.

Quando um deus transava com um mortal, nascia um herói (ou semideus). Esse ser era capaz de feitos mirabolantes, mas morria como qualquer um de nós. O mais famoso até hoje é Héracles (que os romanos chamaram de Hércules).

Como se não bastasse essa gentarada toda, eles ainda criaram animais mitológicos, como a esfinge (que tinha corpo de leão, cabeça de mulher e devorava quem não decifrasse seus enigmas); os centauros (metade homem, metade cavalo); cães de três cabeças; serpentes gigantes e sereias (que tinham corpo de ave, e não de peixe, e busto de mulher). Também havia os doze Titãs e seus irmãos monstruosos, como os três hecatônquiros (de cem mãos e 50 cabeças) e os três ciclopes (gigantes com um olho só no meio da testa).

Festivais religiosos eram celebrados regularmente. Na cidade de Olímpia, de quatro em quatro anos eram realizadas as Olimpíadas em honra a Zeus. Além de cerimônias religiosas, havia concursos de poesia, competições atléticas e corridas de carros.
ZEUS DO CÉU



Para ser o chefe do Olimpo, Zeus destronou o próprio pai, Cronos. Cronos sabia que um filho iria destroná-lo, por isso tinha o péssimo hábito de devorar os pimpolhos assim que eles nasciam. Mais tarde Cronos tomou uma poção que não caiu bem e vomitou toda a filharada.

Zeus seguiu o mau exemplo do pai e, quando a esposa Métis estava grávida, engoliu a mulher para que ela não tivesse um filho mais poderoso que ele. Mas, durante uma batalha contra Hefesto, Zeus tomou uma machadada na cabeça, e do buraco saiu a filha que ele tinha engolido com mãe e tudo. Era Atena, já adulta, armada e perigosa.

Quando não estavam se matando, conpirando ou traindo, os deuses faziam altas baladas nos palácios do Olimpo. Lá eles comiam, bebiam, ouviam música e dançavam.

Atena


Nasceu de um buraco feito a machadada na cabeça do pai, Zeus.

Ares


Deus da guerra. Sua diversão era ver sangue.

Afrodite


Deusa da paixão sensual. Gerada pelos órgãos castrados do pai.
Ártemis



Matou o amado e transformou um caçador em veado.

Cronos



Castrou o pai, casou com a irmã e devorou os filhos.
Apolo



Deus da música, da profecia e da infestação de ratos.
Dioníso



Deus do vinho. Passou parte da gestação na coxa do pai.
Hermes



Ainda era bebê quando roubou o gado do irmão Apolo.

Hades



Soberano dos mortos. Ninguém ousava dizer seu nome.
Hera



Uma deusa venenosa: invejosa, ciumenta e agressiva.

Héracles



Hércules, para os romanos. Aos 8 meses, matou duas cobras.
Zeus
O soberano do Olimpo escapou de ser comido pelo pai.
Poseidon

Deus do mar. Um dos filhos que Cronos comeu.
Eros


Deus do amor. A mãe reclamava que o menino não crescia.

Para saber mais

Introdução aos Deuses Antigos, Ribeiro Jr., Portal Graecia Antiqua, São Carlos.
Imagens: Internet